segunda-feira, junho 04, 2007

Da (im)possibilidade de estar

Chovia horrores. A casa abafada: janelas e portas fechadas. O ar viciado desde três horas da tarde. O corpo se sentindo preso, a alma se sentindo presa. Fez de tudo que podia naquele lugar e ainda sobrava tanto tempo, tanto tempo pra. Podia até ouvir o ponteiro do relógio a circular e circular, tic-tac sem fim. O coração batia, e ela sabia, não só porque a gente sabe que o coração bate se a gente tá vivo de corpo, mas porque ela escutava, escutava e sabia, escutava e ele fazia tum-tum, que se misturava ao tic-tac do relógio e virava uma coisa mais ou menos como tic-tum-tac-tum, mas às vezes o coração batia tão devagar que dava um tum só pra um tic-tac inteiro, tic-tac-tum.

Estava na mesma posição há uma hora ou mais, nem brilhava nem sofria: estava. A chuva ora aumentava ora diminuía e ali estava se fazendo presente há quatro longuíssimas horas. Agora era hora de: nada. Inúteis que são as horas. Pensou: Que fariam as pessoas nessa cidade, nesse momento, nessa chuva, nesse domingo? Talvez um filme, pipoca, cobertor? Ou escrevendo nas suas agendas os compromissos inadiáveis da Segunda-Feira? Será que liam, as pessoas, o jornal volumoso de domingo, que traria possivelmente os mais desastrosos acontecimentos que a chuva teria causado no habitat dos humanos?

Provavelmente filhos, maridos, mulheres, sobrinhos, avós, pais e mães ao redor. Ginástica, será que alguém fazia? E um cigarrinho? Ou uma vela, incenso, fogão. Cheiravam pó, as pessoas? Trepavam? Faziam contas? Dormiam? Morriam pessoas? E nasciam. Talvez até sorrissem. Mesmo chorando.
Meu deus, com o perdão da descrença, que farás tu no meio dessa chuvarada num domingo como este?

É preciso muita criatividade pra viver. O resto é nada.

Um comentário:

Herr Schwartz disse...

Isso é tão profundo!
Lindo, parabéns